quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Capítulo 1


Como diria o poeta... “Ahh! A morte, fim de...” na verdade não lembro mais o que ele dizia. Na verdade da verdade, sempre tive problemas para guardar qualquer citação, mas na verdade verdadeira mesmo, nunca gostei de poesias. Assumia que gostava porque diziam que as pessoas cultas deveriam gostar delas, e como fazia parte de uma casta privilegiada eleita intelectual, caí nessa. Mas nunca enganei Giovanna, ela sempre soube, pois ama (va) poesias e sempre tinha uma citação de algum autor pra fazer no momento certo. Amava... Amo isso nela.

Mas voltando à morte, mesmo não me lembrando o que o poeta dizia, sempre achei que morrer era algo doloroso e definitivo, mas descobri que o que dói realmente não é a morte, mas continuar vivendo. Atire a primeira pedra quem... Não! Recolha a primeira pedra -- das muitas que me jogaram -- quem tiver a coragem de negar que não mudaria seu destino ao saber o dia de sua morte. Aquela pessoa, que possuindo a informação “fresquinha” do Ser enviado para ajudá-la a fazer a travessia até o reino, o qual e cujas ações faz-se reserva, não diria: “Podemos negociar?”

É... Mas como saber qual evento desencadeará tal destino? Que momento nossas escolhas nos colocam diante da felicidade ou da desgraça?

Se tivéssemos um anjinho soprando em nossos ouvidos e impedindo, aquele conhecido “meter os pés pelas mãos”.

 Talvez esse anjinho exista, porém não o percebemos, não naquele momento. Creio que isso é planejado, ainda não descobri, pois se soubéssemos ou identificássemos o anjinho, perderia a graça. O quê? A vida. Seria como ler o final do livro, antes do primeiro capítulo.

Assim, um pequeno sopro poderá mover nuvens, derrubar castelos, acabar com sonhos ou apenas fazer voar alguns papéis...

Começou assim... 

Naquele domingo, diferente dos outros dias da semana, Antonella acordou mais tarde do que o habitual. Após mais uma noite de insônia, o sono a encontrou quando o sol já anunciava os primeiros raios de mais uma manhã de outono ainda quente. Naquela sentiu-se bem, não sabia se era o sono renovador ou a esperança que surgia todo o domingo, cada vez que pensava na possibilidade de abrir o jornal e encontrar a solução para seus problemas.

Apesar de ter a consciência de que não poderia colocar no fato de não ter um emprego toda a responsabilidade de sua insatisfação pessoal, baixa estima, desmotivação e todas as coisas que faltavam e que se estenderiam numa lista imensa, sabia que, se tivesse um, pelo menos, teria motivos para abrir os olhos pela manhã.

No momento, até aquele domingo, não havia. Há mais de dois meses procurava emprego, sem sucesso, pois o fato de não ter terminado a faculdade, aliado a sua pouca experiência, dificultava sua colocação. Se soubesse disso, há alguns anos, teria feito diferente. Mas como saber? Muitas vezes se pegou revisando mentalmente fatos de sua vida e tentando identificar os momentos nos quais deveria ter feito outras escolhas. Arrependimento? Sim, muitos. Principalmente o de ter mentido para si mesma durante alguns anos, dos dez que viveu ao lado de Alberto, o homem que considerava, até oito meses atrás, ser a razão de sua existência.

 Descobriu da pior forma possível que a verdade não é tão evidente assim. A verdade, às vezes, se esconde nos cantos escuros da nossa alma, naqueles locais que fedem a mofo.  Toda raiva e nojo que sentiu canalizaram para fugir daquela vida construída sobre areia movediça. Sabia que não teria uma mão para puxá-la, por isso se agarrou no primeiro galho que viu e saiu, arrastando-se.

 Ao abrir aquela porta e deparar-se com a verdade, teve a revelação de muitas outras. Nenhuma explicação, nenhuma palavra, nada. O silêncio revelava a evidência e, o olhar, a decepção. Os gestos lentos, os passos decididos para um futuro incerto, a batida na porta. O fim. Voltou um mês depois para pegar suas coisas e enfrentar a dor da decepção de frente. Encontrou um homem feliz, talvez por ter conseguido se livrar dela. Foi o que pensou na ocasião.

Na separação, além das vidas, dividiram os livros, os CDs; ficou com a TV, a geladeira, o sofá da sala, o carro, a frustração e marcas profundas. Deixou para trás o fogão, a cama, o aluguel, os planos de ter um filho, as fantasias e os sonhos de uma vida perfeita. Não tinham mais nada.

Mudou-se para Porto Alegre, para fugir de todas as lembranças e dos comentários que com certeza ocorreriam na pequena cidade do interior, onde acreditava que viveria o resto de sua vida ao lado do homem que a encantou desde o primeiro encontro. Com o tempo, percebeu que este encantamento havia se transformado no hábito de tê-lo sempre por perto. Distanciaram-se ao longo dos anos. Segundo suas amigas, comum em todo casamento, mas que agora sabia tratar-se de algo mais profundo.

O fato de não ter família, pois seus pais já haviam morrido há alguns anos, e não ter irmãos fazia com que se sentisse sozinha no mundo. Embora Alberto estivesse sempre presente, ajudando em tudo que podia como o aluguel e outras despesas, ela queria se livrar desta dependência. Queria se livrar dele e das lembranças que vinham juntas. Precisava encontrar o rumo de sua vida. Queria voltar à universidade e precisava de um trabalho.

A fumaça do cigarro subindo em direção ao teto fazia moldura para seus pensamentos: “preciso parar de fumar”. Suspirou, mais um gole de café e resolveu abrir o jornal, na parte dos classificados. Passou os olhos...

O primeiro anúncio que leu:

“Vendedor de loja, exige-se experiência”.

Riscou, pois em sua mente a única lembrança que tinha de ter vendido algo, foi sua bicicleta quando tinha 13 anos e mesmo assim, não recebeu o pagamento.

Outro anúncio:

“Secretária executiva, bilíngüe”.
 Imaginou que nem o português sabia direito, quanto mais qualquer outro idioma. Era daquelas que cantava músicas inglesas bem alto e completamente errado... Sorriu disto.

Continuou:

“Auxiliar de almoxarifado, com experiência”.

Seus pensamentos davam o tom do seu desespero. “Experiência em quê? Guardar caixas???”

Mais um:

“Telemarketing, com cursos de marketing e vendas”.

E assim, sucessivamente, aqueles que não exigiam experiência, queriam que o candidato tivesse cursos na área. Não se encaixava em nada. Olhou para a página toda riscada, ficou angustiada, irritada, fechou o jornal bruscamente e levantou-se... Outro cigarro.

Estava saindo da cozinha quando uma forte brisa abriu a janela fazendo voar algumas folhas do jornal. Antonella voltou, olhou para a janela sem entender de onde veio aquele vento repentino, porém não deu importância ao fato e juntou as folhas do jornal que caíram no chão. Ao colocá-las sobre a mesa, viu no jornal aberto um pequeno anúncio, no final da página, que lhe chamou a atenção. Segurou o jornal com as duas mãos e leu:

“Procuro alguém para cuidar de criança e que: goste de ler, assistir desenhos, jogar bola, trocar fraldas. Que tenha imaginação fértil, acredite em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e faça companhia a meu filho, enquanto trabalho. Importante: que tenha disponibilidade para dormir no emprego. Com referências. Interessadas ligar para...”

Anotou o número do celular e correu para o telefone. A pessoa que atendeu, uma senhora, não deu muitos detalhes, apenas forneceu o endereço e o horário da entrevista: segunda-feira às 10:30.

Desligou e sorriu.

Pela primeira vez percebeu que existia uma possibilidade, pois além de trabalho encontraria, também, um lugar para morar sem depender de Alberto.

****
Giovanna acordou naquela manhã olhando para o teto do quarto. Nas contas dela era o 375° dia sem Camila. Sentiu de imediato, na cabeça, o resultado das duas garrafas de vinho e do cigarro. Moveu-se para se levantar, mas seu corpo reclamou. A dor e as manchas avermelhadas na perna revelavam o embate pelo qual passou na noite anterior. O sexo vazio, porém necessário. Aquele que sempre surgia salvador, redentor, mas que quando se esvaia, morria, junto com sua alma, todas as noites. Um rito de passagem. Uma quase morte, para conseguir viver uma quase vida.
E assim… Mais um dia começava.
* * * *
Giovanna desceu as escadas com Enzo no colo, chorando. Assim que viu Francisca, jogou-o nos braços dela.
– Bom dia, Francisca. Não sei por que ele chora dessa forma — falou com irritação.
Francisca pegou o menino e o abraçou, fazendo-o se acalmar.
– Já pensou que o que ele quer é um pouquinho de carinho, Giovanna? Atenção de sua parte?
Sem responder, entrou na biblioteca e foi em direção ao telefone. Precisava resolver de uma vez por todas o problema que surgiu quando Silvia, a babá, resolveu pedir demissão. Tinha muitas coisas para lidar na empresa e, há três dias, desde que Silvia saiu, tinha que chegar mais cedo em casa e sair mais tarde. Estava no meio de uma negociação, que daria a ela a possibilidade de mostrar ao avô que era a pessoa certa para assumir a vice-presidência das empresas. Esse era o objetivo que assumiu para sua vida desde que decidiu que viveria somente para o trabalho. Foi a solução que encontrou para continuar vivendo após a morte de Camila.
Sua vida se resumia ao trabalho e a algumas saídas com mulheres que, por alguns instantes, faziam-na esquecer do sofrimento que sentia. Mas tão logo terminava, retornava com carga total. Não tinha vida pessoal, o único elo que a trazia para algo que tentava abandonar era o filho, e os poucos momentos que tinham, não eram fáceis. Ele representava tudo aquilo que um dia amou e viveu para ter, mas que havia perdido de forma brusca. Portanto, representava o amor perdido e que tinha certeza… Jamais viveria novamente.
Giovanna tentou, pela quinta vez, a ligação para a agência de babás, mais uma vez foi em vão, olhou desanimada para Francisca e falou num pesar.
– Não há ninguém que atenda as exigências… Somente para o dia — suspirou.
– Giovanna, eu fico. Já falei a você que posso dar conta de Enzo duas noites — Francisca tentou acalmá-la, mas sabia que seria em vão.
Giovanna respondeu sem olhar para ela, com os cotovelos na mesa, segurando a cabeça com as mãos.
– Sim! Duas noites, e as próximas? Não será a última vez que vou precisar viajar e desde que Silvia saiu, estou tendo que adiar reuniões ou ter que contar com sua boa vontade.
Levantou a cabeça e olhou para Francisca, demonstrando o sofrimento que somente ela conhecia.
Continuou:
– Você precisa cuidar de seu marido, que necessita de atenção nesse momento. Enzo e eu somos estorvo para você. Tenho que encontrar alguém — falou olhando para a mulher que há sete anos a ajudava com a casa e que havia participado dos momentos felizes que viveu ao lado de Camila e que, também, vinha presenciando os momentos de desespero que Giovanna vivia desde a morte de sua amada mulher.
Francisca respondeu, no mesmo tom:
– Posso pedir ajuda a Celina — tentou já prevendo a resposta.
Giovanna riu, como se não acreditasse no que havia ouvido, e respondeu:
– Celina não consegue cuidar nem dela, imagina de Enzo.
Recebeu de Francisca um sorriso e a aceitação:
– É… Eu sei, porém acho ótimo que Silvia tenha saído. Você sabe que ela não gostava de crianças, estava aqui pelo dinheiro. Aliás, essas agências deveriam ver se, no mínimo, a pessoa tem perfil para ficar com uma criança.
– Mas pelo menos, era alguém em que podia confiar e que cuidava bem de Enzo — respondeu fechando o notebook e guardando-o na pasta.
– Giovanna, Enzo não precisa de alguém que cuide bem… Precisa de você — Francisca falou aproximando-se da mulher alta que já estava pronta para sair da sala.
Sem levantar o olhar para a senhora, respondeu de forma ríspida:
– Ele tem tudo que precisa e sempre terá. Não falta nada.
Antes de sair da sala, Francisca recebeu o frio olhar azul de Giovanna, cuja luminosidade e calor havia se perdido junto com a morte da mulher. Viu a porta bater e, por alguns momentos, lembrou-se dos momentos felizes que presenciou naquela mesma sala. Olhou para a foto de Camila, com uma enorme barriga e Giovanna com os braços em torno dela.
Lembrou de quando Camila, ao lado de Giovanna, anunciou a ela a chegada de Enzo. Camila carregava no ventre o óvulo fecundado de Giovanna. Elas olhavam uma para a outra e a luminosidade dos olhares refletia a felicidade que não poderia ter fim… Mas teve.
Deu um beijo em Enzo e falou baixinho para ele:
– Um dia ela supera, meu querido.
Moveu-se em direção à porta ao mesmo tempo em que secava a lágrima que caia em sua face. Antes de fechar a biblioteca, olhou para os livros nas paredes e novamente para uma foto de Camila, que estava sobre a mesa. O olhar de Camila para a barriga. Uma idéia surgiu. Titubeou e perguntou para a mulher no porta-retratos: “Será, Camilinha? Acha que ela vai concordar? Sim, temos que tentar…”
Largou Enzo sobre o tapete da enorme sala.
– Espera um pouquinho, Enzo, já volto — e correu em direção à porta da frente, com a intenção de alcançar Giovanna antes que a mulher saísse.
Chegou a tempo, ela estava se dirigindo para o carro estacionado em frente à porta.
– Giovanna! — gritou.
– Sim, Francisca — respondeu com a porta do carro aberta.
– E se em vez de chamar alguém pela agência, fizermos um anúncio no jornal? Você mesma escolhe a pessoa, faz as entrevistas. Afinal, já está habituada a isto.
– Francisca, nunca contratei uma babá na empresa, nem sei como fazer isso — respondeu sem paciência.
– Se me autorizar, faço o anúncio e marco as entrevistas. Você precisa apenas conversar com elas — falou na esperança de convencê-la.
Giovanna ficou em silêncio por alguns momentos, fez um movimento em direção ao carro e respondeu:
– Faça!
Francisca respondeu com um aceno, fechou a porta, dirigiu-se para a biblioteca. Pegou Enzo no colo e sentou-se em frente à mesa onde estava a foto de Camila. Olhou firmemente para a mulher grávida: “Eles precisam de você agora…”.
Suspirou e começou a escrever o anúncio. Quando terminou, leu, releu e proferiu, num pedido, olhando para a foto de Camila:
– Faça chegar à pessoa certa. 
OBS IMPORTANTE: 
A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação.

Um comentário:

  1. Vc não pode fazer uma leitora chorar no primeiro capítulo...É golpe baixo!
    ;)

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