quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Capítulo 3


“Observando essa cena, fico tentando decifrar alguns enigmas que mesmo para mim, na situação em que me encontro, são obscuros. Não basta a simples necessidade para nos mover em busca da saciedade, como ocorre com os irracionais: é preciso admiti-la e permitir-se satisfazê-la. Mas isso é um exercício que o ser humano ainda não consegue realizar facilmente, por vários motivos. Um deles é ignorar a própria ignorância. A necessidade de buscar algo que não sabemos o que é nos faz ir à procura; dar o passo adiante; abrir a porta. Porém, só sabemos dessa necessidade que temos ou tínhamos depois que encontramos. 

Primeiro temos o hábito de sofrer. Afinal, somos frutos de uma moral que diz: “O sofrimento enobrece, engrandece, nos faz melhor.”
Ah! Que bobagem. O sofrimento nos faz sofrer, somente isso. E na maioria das vezes, nos dá aquele ar de superioridade diante dos problemas dos outros, no momento que falamos com toda a propriedade: “Eu já passei por isso...” 

Depois, existe aquele outro, que diz respeito à construção moral, que não permite o “desfrute”. Esse se realiza no escuro, quando portas e janelas estão trancadas, onde ninguém vê. Como se o pecado fosse considerado como tal, apenas quando público. Assim, nós prosseguimos, querendo, mas afirmando que não ou ignorando que queremos.

Aliás, voltando ao que me trouxe aqui, novamente, creio que foi muito rápido, Dona Giovanna!  Se deu ao desfrute muito rápido... Vi seu olhar para as pernas dela...

* * * *

Antonella olhava a chuva que caía intensa naquela hora da noite, o calor permitia a ela deixar a janela aberta. Fumava o último cigarro. Decidiu que era a hora de parar e, como num ritual de despedida e comemoração pelo emprego novo, abriu uma garrafa de vinho que estava guardando para essa ocasião.

Refez todo o caminho que percorreu depois daquele dia fatídico e percebeu que estava livrando-se dos fantasmas. Tinha consciência da responsabilidade que assumia, pois para ela, cuidar de uma criança era uma missão. Queria cumprir de forma perfeita. Intrigou-lhe a mãe do menino. Uma mulher fria, distante, triste, porém bonita... Não! Linda. Imaginava que o pai deveria ser tão belo quanto. Logo, tratou de espantar esses pensamentos. Olhou para as malas prontas, próximo à porta e sorriu. Levantou a taça e brindou consigo mesma. Sabia que a madrugada seria longa, pois a mesma insônia causada pela insegurança dos dias sem perspectiva agora tinha outro motivo, ansiedade do primeiro dia. 

* * * *

Giovanna não percebeu a chuva, seus olhos se mantinham fixos nas imagens projetadas na parede. Noite após noite, revivia os anos que ficaram para trás e que foram os mais felizes de sua vida. Via Camila dançando para ela no carnaval em Veneza; depois a Oktober em Munique; o verão em Florianópolis... Camila a chamava com o olhar para dentro da cabana. A velocidade das imagens em seu pensamento era a mesma das lágrimas que escorriam em seu rosto.

As noites que ficava em casa se tornaram um ritual: colocava Enzo na cama e se trancava naquele quarto que somente ela entrava. Passava das quatro da manhã quando acordou com o pescoço dolorido da posição desconfortável na qual adormeceu. Olhou ao redor e viu a garrafa de vinho pela metade, a chuva que entrava pela janela. A luz do projetor incomodou seus olhos, deu-se conta da realidade. Era como se durante o sono se transportasse para um lugar, um tempo em que Camila estava ao seu lado. Toda vez que acordava precisava de alguns segundos para recobrar a consciência, a realidade e perceber que entrava em outro mundo, o real. Uma passagem dolorida.

 ****

No primeiro dia de trabalho, Antonella chegou cedo, antes das oito. Francisca recebeu de Giovanna a incumbência de informar toda a rotina de Enzo e da casa. Apesar de Francisca ter insistido com ela para que participasse deste momento, saiu cedo, pois tinha reunião e afazeres na Agência. Então, as duas passaram a manhã conversando sobre vários assuntos, dentre eles as questões legais, o salário, folgas e dias livres. Conheceu a casa e os outros funcionários. Francisca mostrou seu quarto, que se localizava ao lado do de Enzo. Antonella guardou suas coisas, que não eram muitas, deu uma olhada rápida no quarto, no banheiro e saiu, pois Francisca a aguardava. Faria o reconhecimento mais tarde. 

Pela manhã, foi apresentada à Celina, a moça responsável pela limpeza; a Carmelino, o cozinheiro; e a Juventino, um senhor aparentando mais de setenta anos e responsável pelo jardim.  Todos foram muito simpáticos e agradáveis na acolhida. E somente no meio da tarde, ficou sozinha com Enzo. Francisca os deixou na sala de TV, um ambiente íntimo e aconchegante que se localizava entre os quartos, no piso superior da casa.

 Antonella percebeu que, na maioria dos aposentos íntimos da casa, havia fotos de Giovanna e de outra mulher, que inclusive aparecia grávida em algumas delas. Para sua surpresa, uma das paredes daquela sala possuía uma fotografia em preto e branco somente do rosto das duas, muito próximas. A foto preenchia a parede e o sorriso das duas era luminoso, assim como o olhar de Giovanna, completamente diferente do que Antonella viu nela no dia anterior. Passou na sua cabeça a possibilidade de que se tratava de um casal, mas logo pensou que poderiam ser irmãs ou qualquer outro parentesco.

Olhou para Enzo e sorriu.  O menino estava sentado no chão, olhando fixamente para a TV, no momento que Francisca fechou a porta. Antonella virou-se para ele, sorriu e disse:

-- Agora somos você e eu, vamos combinar algumas coisas.

O menino olhou para ela com uma expressão de quem entendia tudo.

Continuou:

-- Muito bem, primeira coisa: xixi no banheiro, bem como outras coisas também; quando sentir fome, você pede, aponta ou faz algum sinal que eu entenda; não chorar, nunca chorar; sempre que eu chamar, você vem; não pode me chamar de tia, tampouco de Antonia e nunca... Nunca de Tonha, tá entendendo?

O menino continuava olhando para ela, um pequeno sorriso se esboçou em seus lábios.  

Antonella continuou:

-- E não é por que você tem um ano e não caminha, é que vai ficar sempre no meu colo. Às vezes não vou querer brincar de carrinho... Temos que diversificar.

Ele estava tentando levantar, apoiando-se em Antonella, que segurou em sua pequena mão, ajudando-o...

-- Certo, de pé significa o quê? Passear? Brincar? Hmmm...  Já entendi... Só pelo cheiro. Muito bem! Começamos bem... O que faço agora? Por que não disse que ia fazer isso? 

Ele ria e se jogava nos braços dela. Antonella ficou por alguns segundos olhando nos olhos daquela criança, percebendo toda a responsabilidade que havia assumido e, também, o quanto queria isso. Pegou-o no colo e o abraçou...

-- Vamos tomar um banho, pelo jeito vou ter que usar um lava jato.

O menino ria, ela também.

 
OBS IMPORTANTE: 
A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação.

Um comentário:

  1. aqui no texto não fala o que provocou a morte da Camila.é muito bom esse conto.;,,,,,,,,,,,,olívia

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